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Macarrão ao molho de memórias


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Sentir o cheiro do macarrão de domingo do seu avô é como receber mil abraços de uma vez. Avistar no supermercado aquela bolachinha de leite saborosa que você comia com seu pai aos finais de semana te transporta de volta aos tempos da infância. Só de observar um brigadeiro, você sente o amor da sua mãe, que deixava uma porção na panela porque “assim ficava melhor”!


É possível pensar que as relações que estabelecemos com os alimentos ao longo da vida têm início nas primeiras experiências infantis. Nesse sentido, podemos considerar que o desenvolvimento do nosso paladar é influenciado, em grande medida, por essas experiências, sobretudo pelas relações afetivas que mediaram a apresentação e repetição de cada alimento. Momentos significativos dessas relações poderiam, dessa forma, estar associados à importância que atribuímos no dia a dia a determinados alimentos.


Ao abordar o desenvolvimento no comecinho da vida, Freud propôs uma associação importante entre alimentação e afeto. Com isso, considerou que, ao ser alimentado, o bebezinho não obtém somente a satisfação de uma necessidade fisiológica, mas também prazer. Nesse contexto, além da satisfação e do prazer vivenciados por meio da alimentação, o toque e a fala dos cuidadores em relação ao bebê também ocupam um importante lugar. A fase oral, como foi chamada tal etapa pela psicanálise, representa um período crucial para a formação da personalidade e para a maneira como, mais tarde, nos relacionamos com a comida e com os sentimentos que ela desperta.


Um pouquinho mais adiante, a alimentação no seio ou com a mamadeira passa a dividir espaço com novos alimentos. Além do leite, surge a oportunidade de explorar sabores, cores e texturas que diferentes comidas oferecem. É quando costumam surgir as primeiras preferências, e, com elas, a autonomia que acompanhará o sujeito em sua história alimentar. Esse momento dá início a uma relação duradoura, recheada de significados e buscas, anseios e oportunidades para viver muitas memórias entre muitas mordidas.


Cada pequeno alimento se torna gigante no mar de recordações que vive em nós, principalmente quando conectado às memórias e às pessoas que nos cuidaram. Curiosamente, mesmo quando acumulamos novas experiências com pratos diferentes e rebuscados, são essas experiências iniciais que continuam em contato mais íntimo com o coração, talvez por terem ocorrido em um momento importante de trocas afetivas e de criação de hábitos. Comer, nesse sentido, pode representar uma forma de reorganizar nossas emoções ou de nos reconectar com um tempo passado, buscando um pouco das sensações que nos acompanhavam quando pequenos.


Para Lacan, a criança verdadeiramente bem alimentada, nutrida também com amor, é aquela que um dia poderia recusar o alimento, pois já não depende dele para suprir uma falta primária. Recusar, nesse cenário, poderia ser entendido não como mera insatisfação com determinado alimento, mas como uma expressão genuína do desejo, algo muito saudável para o desenvolvimento da criança. Nesse sentido, alimentar não é apenas dar comida, mas oferecer afeto e criar memórias. São essas experiências que sustentam o sujeito na construção de sua própria história e de seus próprios gostos. Assim, ele parte de uma base sólida, o amor, para descobrir novos sabores no mundo, sem nunca esquecer que nada se compara à comida simples e cheia de afeto de quem o ama.


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