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Minha história escrita na pele

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Somos constituídos, desde o nascimento, de um corpo. Quando bebês, descobrimos o mundo através dele. No toque das mãozinhas que pegam brinquedos, nos sons que ouvimos e produzimos, começamos a perceber a nós mesmos. Diante de um espelho, por exemplo, um bebê ainda sem ter o controle do seu corpo começa a se identificar com a imagem refletida ali, e assim vai construindo a ideia de quem é e do corpo que possui.


Quando penso no meu corpo, percebo tudo o que posso fazer através dele: brincar, correr, abraçar meus colegas, descobrir novas coisas. Mas, com o tempo, chegando na pré-adolescência, notei que ele mudava. Eu parecia ficar maior, mais alto. Sentia mais fome, às vezes mais preguiça, outras vezes energia de sobra. Algumas coisas já não me interessavam mais. E, olhando em volta, percebia também as mudanças nos meus colegas: as vozes engrossavam, os guris ganhavam pelinhos embaixo do nariz, as gurias ganhavam contorno ao corpo.


Com o tempo, percebi que existem muitos tipos de corpos. O meu não era igual ao de ninguém, e isso parecia o mais legal. Meus amigos eram todos diferentes de mim. Mas, junto a essa descoberta, nasceu também uma insatisfação: eu não queria ter o meu corpo. Queria ter o corpo das minhas colegas. Muitas vezes não me sentia bonita, não me sentia bem e confortável com o meu corpo.


Não entendia por que tudo acontecia tão rápido e, ao mesmo tempo, parecia passar devagar. Ainda me sinto criança dentro desse corpo em transformação. Aberastury e Knoebel, psicanalistas argentinos, já nos diziam que a puberdade implica uma perda: o adolescente precisa abandonar o corpo e a sexualidade infantis para habitar um corpo novo que traz novas experiências.


Aos poucos, entendi que o corpo não é só o físico. Ele também é feito de olhares, palavras e gestos que nos atravessam. É formado de tudo aquilo que escutamos e sentimos. Cada corpo carrega uma história, e a minha também estava sendo escrita ali, no corpo que embora não tão crescido, agia e existia no mundo. A verdade é que o corpo é vivo. O corpo é a própria vida de alguém. Porque, afinal, sem corpo o que resta? Ele é presença: age no mundo, constrói humanidade.


Talvez seja isso que Lacan chamou de estágio do espelho: quando a gente começa a se enxergar de verdade, mas só porque alguém de fora mostra quem somos. É como se eu aprendesse a me ver pelos olhos dos outros. No fim, acho que o corpo é um pouco de tudo isso. É feito de carne e osso, mas também de palavras, de olhares e de histórias. E eu sigo aqui, tentando entender quem sou, olhando para o meu corpo como quem olha uma folha em branco… que todo dia vai ganhando rabiscos novos, quase sem eu perceber.

 

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