top of page

São crianças como você

ree

Minha adolescência fugiu um pouco do comum. Fui a filha que não dava grandes problemas na escola, que se dedicou para passar no técnico e, depois, na faculdade. Num panorama geral, dei poucas dores de cabeça para os meus pais. Na contramão, fui a filha que questionava todas as tradições possíveis, perguntava e procurava entender a fundo questões que me incomodavam, não deixava quieto aquilo que me deixava com a pulga atrás da orelha. Além disso, como de costume nesse período, as emoções vinham como avalanche. Lembro, como se fosse hoje, que no término do meu primeiro amor a dor rasgava meu peito e jurei que nunca mais conseguiria amar ninguém como o amei. Quanta inocência!

 

Ainda que não seja possível falar em adolescência como um fenômeno universal, Stanley Hall, um dos grandes estudiosos da adolescência, dizia que o processo de adolescer é marcado por tempestades e tormentas, por ser um período de transformações intensas e abruptas. Um término nos faz questionar se um dia amaremos alguém novamente, se desejaremos outra pessoa. Um desentendimento bobo é capaz de acabar com o dia, ou até a semana. A falta de reciprocidade de um amigo põe em xeque todas nossas habilidades sociais que já estavam supostamente estabelecidas. Os questionamentos são tantos, a identidade ainda não está completamente posta, o corpo está em intensa modificação. Tudo passa tão depressa pela nossa cabeça que parece que as sinapses nem foram concluídas e as decisões já foram tomadas. “Depois a gente resolve e vê no que dá”, era o que dizíamos para não precisar repensar alguma situação.

 

Então lá vamos nós tentar entender o que sentimos, conversando com outros adolescentes - com diferentes níveis de maturidade emocional - sobre nossas dores, sobre como nossos pais não nos compreendem, para, por fim, concluirmos: “Minha mãe deveria ter feito XYZ invés de ABC”. Como se eles pudessem ter as respostas para tudo a todo instante, sem vez para errar.

 

Entretanto, aos poucos a vida adulta vem chegando de mansinho. Saímos da casa dos pais, conquistamos nosso próprio cantinho, compramos nossos próprios móveis e nossas próprias roupas. Quando o coração aperta, nos autorregulamos e seguimos com a rotina. Mas no fundo da minha mente segue ecoando a risada do meu pai e os conselhos da minha mãe. Às vezes, conversando com pessoas mais novas, me bate uma nostalgia de quando a casa era cheia e fazíamos feira aos domingos. Nenhuma cama tem a mesma maciez. Nenhum colo tem o mesmo aconchego. Nenhuma casa tem a mesma luz e o mesmo cheiro. E então, aos poucos, passei a entender meus pais. Paguei com a língua por falar que só meus pontos de vista faziam sentido. Hoje percebo que crescer também é enxergar os pais como pessoas, antes de tudo. Pessoas com histórias, dúvidas, cansaços e desejos que não param de existir só porque tiveram filhos.

 

No fim das contas, era a primeira vez deles sendo pais. Criando crianças que viram adolescentes, que viram adultos que vão embora. É a primeira vez que vivem essa vida. É natural que errem e acertem, como qualquer um de nós. Renato Russo já tinha me dito, mas custou a entrar na cabeça: você culpa seus pais por tudo, isso é um absurdo.

 

Afinal,

são crianças como você.

Comentários


© 2022 por NUPPADES/FURG

  • Facebook ícone social
  • Instagram
bottom of page